Imagem mostra mulher com computador apontando texto "AI"

Política de IA de Goiás mobiliza e reverbera redes de discursos sobre o setor

Texto da proposta governamental desvela manchetes, disputa por protagonismo e intenções do Estado para a área

Raniê Solarevisky de Jesus
Coordenador do Nodus - FIC/UFG

Goiás tem uma "Lei de IA". A Lei Complementar Nº 205, de 19 de maio de 2025. E foi o primeiro estado brasileiro a publicar algo do tipo, dizem os jornais

A primeira linha de texto já denuncia a fragilidade do rótulo: "Institui a Política Estadual de Fomento à Inovação em Inteligência Artificial no Estado de Goiás" (grifos nossos). Tal como o PBIA do governo federal, trata-se mais de um protocolo de intenções do que um conjunto de tópicos sobre o que pode e o que não pode, sem especificações claras de proporções, penalidades e requisitos técnicos concretos. Mas são boas intenções, na maior parte.

Embora defina alguns limites e modos de fazer, o texto se concentra mais em "princípios", "fundamentos", "diretrizes" e coisas do tipo. Mas apenas o esforço de estabelecer algum tipo de acordo sobre o caminho que devemos seguir com esse tipo de tecnologia já é louvável e digno do aplauso de quem precisa lidar com ela todos os dias -- o que, em 2025, inclui quase todo mundo.

A lei de Goiás já foi objeto de um embate na Folha de S. Paulo entre o governo de Goiás e os autores do PL 2.338/2023, preso na Câmara dos Deputados desde março deste ano em um looping de audiências públicas com convidados muito competentes e algumas escolhas curiosas para o microfone. Com cada um defendendo o próprio projeto, os dois lados argumentam que o próprio texto é mais centrado nas necessidades específicas do Brasil, mais preocupado com a sustentabilidade do que o oponente, e mais incisivo e efetivo na orientação de políticas públicas transparentes e responsáveis. 

Mas o que chama a atenção no debate entre os artigos é o que têm em comum, além de acusações muito parecidas: os dois concentram-se em atacar a legislação da União Europeia sobre o assunto, associando a proposta inimiga ao texto europeu e adjetivando-a com "atrasada", "calhamaço" e outras qualidades que a colocam como uma regulação excessiva, difícil de cumprir e distante da realidade, das necessidades e potencialidades do Brasil para a área.

No projeto goiano, não há muito sobre comunicação ou jornalismo. Mas entre os tópicos de preocupação para quem trabalha com pesquisa em mídias digitais e manchetes, há caixas importantes marcadas, além da necessidade de regulação: o texto defende a transparência -- termo que aparece 20 vezes no documento de 29 páginas -- no uso desse tipo de tecnologia, além de estímulo ao desenvolvimento de soluções de código aberto, que possam ser replicadas em outros contextos, modificadas e remixadas.

No entanto, há exceções que chamam a atenção. No artigo 8º, que estabelece "o direito [...] à informação sobre o uso de tais sistemas e sua finalidade, de forma acessível, gratuita, prévia e de fácil compreensão", a área de segurança é deixada de fora, quando se menciona que o artigo em questão não se aplica "aos sistemas da IA dedicados única e exclusivamente à segurança, à ciberdefesa e a usos militares".

Embora seja razoável esperar algum nível de segredo em operações sensíveis de segurança, com essa redação e sem um dispositivo específico que detalhe melhor o uso na área de segurança, o texto pode ser associado por um leitor mais crítico aos esforços de vigilância e controle urbano sem limites e sem supervisão cidadã, temática discutida há décadas nos estudos sobre cidades inteligentes. O movimento de edição da lei também tem claras ambições políticas do governador, que já se concentra na campanha presidencial e se enfiou até mesmo numa palestra sobre o tema na Campus Party Goiás deste ano.

De qualquer forma, a realização de audiências públicas prévias à publicação da lei e a abertura e o fomento ao diálogo com as instituições de pesquisa e desenvolvimento são pontos positivos com potencial de dirimir ou neutralizar posturas mais preocupantes ou intenções opacas. E de novo, há mérito apenas em mobilizar a rede de atores, discursos e mediações em causa. Afinal, foi a publicação da lei que produziu as notícias, os debates na imprensa e as linhas deste texto. 

Este texto integra os esforços de uma pesquisa em curso no Nodus, preocupada em investigar os discursos da peça legislativa em questão sobre IA e os discursos da imprensa sobre a lei pioneira do Estado de Goiás.

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